Quando acordo, dói um pouco. As manhãs sempre começam antes da hora. É como se o sono fosse um cochilo de uma noite não dormida. Vou e volto resistindo à entrega do tempo que preciso manter. Cada segundo guarda uma infinidade de pendências que parecem aumentar à medida em que, nelas, penso, tornando, o pretendido descanso, impossível no tempo que tenho. As horas passam. A noite passa. E eu acordo com a dor de um corpo atravessado pela necessidade do despertar.
Da janela ao travesseiro, os primeiros raios de sol invadem a fratura imperceptível de minhas pupilas. Descolo meus cílios e vejo cada pedaço de cor que decora um cômodo que não reconheço. Não sei o que vejo. Colo-os novamente, cílio a cílio, refazendo, em imagens que controlo, o percurso que fiz na noite anterior: chave na porta, movimento circular, passo a passo, peça a peça, pela sala, corredor, quarto e o corpo na cama, já nu. Estou em casa. Abrirei os olhos e continuarei aqui. Tudo em seu lugar e eu procurando uma desculpa que me permita ficar mais uma ou duas horas nessa cama que se revela hostil ao meu desejo de dormir. A cada cinco minutos que postergo, uma noite inteira de sono se passa. E assim fico até o limite que tenho entre minha incapacidade e o compromisso assumido quando decidi crescer.
O céu parece azul lá fora. A cidade acordou há séculos. Queria ser eu, ali, naquele corpo que se desloca com desenvoltura e ânimo construindo esta vida do dia a dia regular, constante, infinito. Mas meu corpo pesa cem quilos e demoro alguns minutos para conseguir equilibra-lo numa simples posição de sentar. Não sei como andar com esse corpo que me cobre os ossos. E rastejo sob o solo frio até encontrar aquela que o espelho reflete. É ali que o sono acaba. Na imagem desta estranha que só percebo viva quando nossos olhares se cruzam. Eu conheço você. Eu conheço esse rosto que reflete os anos que passaram e essa expressão que me lembra as histórias que criou. Vai, você está mais desperta do que eu. Segue o dia em meu lugar. Limpe-se, enfeite-se com um tom rosado nas bochechas, decore sua carcaça em tons pastéis e adereços neutros, desloque-se, trabalhe, converse coisas desinteressantes com pessoas que não te interessam, reclame do tempo curto que tem para o que te agrada, coma rápido, coma muito, e não se esqueça dos dois litros de água recomendados pelo médico que você não lembra o nome. Vai. Vai ser o corpo que se desloca com desenvoltura e ânimo construindo esta vida do dia a dia regular. E eu estarei aqui à sua espera para rirmos, juntas, do absurdo.