Chegou em casa exausto. Tinha, naquela noite, trabalhado um pouco mais do que estava habituado. Não eram as demandas. Era a necessidade. A necessidade de não deixar pendências para o dia seguinte. Porque não haveria dia seguinte. Leu e respondeu cada uma das mensagens recebidas naquela semana. Algumas já quase esquecidas, como foram as outras, da semana anterior. Eram profissionais. Mas estava tão emotivo que as lia como se lesse cartas de amor. Há tempos não recebia uma carta de amor. A última foi quando decidiu mudar-se para uma cidade diferente da sua. Não vá. Foi o que disse o seu outro. Mas foi. E deixou, para trás, sonhos e uma namorada, aquela que o dedicou uma carta de amor. A última, para ele. A última até ler, naquele dia, as mensagens que respondia como se conhecesse intimamente seus destinatários. Entre uma e outra, um gole d’água, que bebia como se bebesse uma taça de vinho. Seco. Escorria rasgando-lhe o paladar. Ficou ali duas, três horas, entre gozos e delírios. Ao final desse momento amoroso de palavras e embriagues, acendeu o cigarro que ele nunca fumou e abriu a janela, procurando alguma razão para voltar àquele lugar no dia seguinte. Mas ele sabia. Ele sabia que não haveria dia seguinte. Mas não era o que sabia o outro. O outro tinha planos. Queria acordar um pouco mais tarde, como num dia de descanso. Tomar um chocolate quente, mesmo se fizesse sol. E andar até onde seus pés conseguissem leva-lo. Ele queria conhecer o que não conhecia. E teria um dia inteiro para isto. Mas não havia dia seguinte. Ali, diante daquela janela, ele só pôde suspirar pelo dia que ele não teria. Apagou o cigarro na parede que só agora percebeu que era cinza guardando, no bolso, o que sobrou para mais tarde.
E foi para casa, dessa vez, com seus próprios pés. O chão caminhava enquanto, suspenso, voava para o que seria seu lar. A brisa estava fresca. O cheiro era bom. Flores, muitas flores, todas elas. Voava de olhos fechados abertos, sentindo o prazer que se sente quando sabemos ser aquela a última vez. Sorria de prazer. Era o outro que sorria. Sorria procurando se agarrar ao que poderia, quem sabe, justificar sua existência: os cheiros. Apenas os cheiros. Era o que valia seus dias. Mas com os cheiros se acostuma. Depois de alguns minutos não se sente mais nada. Continuou suspenso, agora sem sorrir. Apenas navegava no ar que o levava para a porta daquela casa estranha decorada pela namorada que lhe escrevera aquela carta de amor. Ele estava mesmo exausto. Antes de entrar, acendeu o que restava daquele cigarro velho que não tinha gosto, nem fumaça, que era só fogo na ponta dos dedos. Caminhou até o quarto e, do jeito que estava, deitou-se na cama, já preparada pela manhã, quando decidiu voltar, ali, apenas mais uma vez. Cama de pedra. Deitou com a roupa do corpo, com o sapato sujo de brisa. Deslizou a mão sob o travesseiro afundando, ele todo, no sonho tóxico do excesso. Procurou sentir o prazer do contato do corpo com o mundo.
Cheiro de flores.